A voz de Lélia — Design Experimental — IED 2022

Guilherme Ribeiro
15 min readAug 25, 2022

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Você é capaz de imaginar a primeira presidenta preta da história do Brasil?

Contexto

A história política do Brasil é cheia de idas e vindas, para dizer o mínimo. Entre regimes ditatoriais e distintas incursões no modelo democrático ao longo dos anos, a população brasileira já se viu governada por diversos perfis de pessoas. Já ocuparam a posição de liderança máxima da nação pessoas que eram ou são aristocratas, generais, barões da agropecuária, acadêmicos, empresários, além de um único representante da classe operária e uma única mulher. Entre todos esses e essa, apenas uma pessoa negra: o fluminense Nilo Peçanha, que ocupou o posto de Presidente da República há mais de cem anos. Tal panorama nos leva a uma conclusão lógica: independentemente do modelo político vigente, o poder no Brasil tem gênero e cor: o homem branco. E, a julgar pelas últimas disputas por esse cargo, essa realidade ainda está muito distante de mudar ¹.

Dessa forma, identificamos que uma parcela de praticamente um quinto da população brasileira se mantém absolutamente à margem da mera possibilidade de ocupar esse papel: as mulheres negras ², historicamente negligenciadas da vida política do país. A realidade, por conseguinte, infere na subjetividade da população: ao imaginar uma pessoa política poderosa, somos incapazes de imaginar uma mulher negra, pois a história e o presente nunca nos ofereceram essa possibilidade.

A melhor forma de imaginar esse futuro, portanto, é exercitando de forma intencional a subjetividade da população, especialmente quando já existe um movimento crescente de crise de representatividade ³ e de busca por novos paradigmas de organização política. Tal cenário nos permite realizar exercícios como o do artista Randolpho Lamonier, que em sua obra “Profecias”, nos convida a imaginar um cenário futuro utópico: a posse da primeira presidenta preta do Brasil, no ano de 2027.

Profecias, Randolpho Lamonier. 2018–2021

Imaginar o inimaginável e ajudar a tornar real o sonho de testemunhar um grupo historicamente negligenciado em uma posição de poder: partindo dessa intenção, estruturamos nosso projeto e nossa proposta de visão de futuro.

Conceito

A partir desse panorama, decidimos abordar o processo de criação sob três diretrizes principais:

Crise de representatividade

Falar em representatividade é falar na defesa de uma sociedade mais igualitária, na busca pela garantia de direitos e na criação de modelos diversificados que possam servir de inspiração para outras pessoas, principalmente para grupos hoje em dia tidos como sub-representados como pessoas negras, mulheres, LGBTQIAP+, indígenas, etc. A representatividade definitivamente pode ajudar na formação da personalidade e ideais de um povo, mas não acaba só por aí. Acarreta também na geração, autoestima, empoderamento e confiança em si mesmo advindos da esperança e da imaginação de que existe a possibilidade de algum dia “chegar lá”.

Mas como trabalhar a construção dessa possibilidade uma vez que, parafraseando Carvalho e Siqueira (2020), a insatisfação dos brasileiros e sua descrença nos órgãos públicos e nos políticos são resultados de uma herança histórica racista, misógina e patrimonialista na Administração Pública? Lidamos diariamente com serviços e políticas públicas que não são ofertados de forma eficiente e digna à uma população que desconhece a prática da política e o seu impacto nas suas vidas enquanto cidadãos.

Em Censo realizado em 2010, foi possível notar algumas mudanças na composição da cor ou raça declarada no Brasil, dos 191 milhões de brasileiros em 2010, 91 milhões classificaram-se brancos, 15 milhões pretos, 82 milhões pardos, 2 milhões como amarelos e 817 mil como indígenas. Foi registrada uma redução da proporção de brancos, que em 2000 era (53,7%) e em 2010 passou para (47,7%), e um crescimento de pretos (de 6,2% para 7,6%) e pardos (de 38,5% para 43,1%).

Apesar de maior no país, membros da população preta e parda não têm oportunidades igualitárias, sofrem com a desvalorização da sua força de trabalho perante os brancos, o que se intensifica ainda mais quando realizamos recortes de gênero e classe. Ações como essa são possíveis de serem notadas nos mais diversos âmbitos da sociedade que envolvem cargos mais altos e relação de poder. Na política, por exemplo, mulheres ainda não conseguem uma boa expressão em épocas eleitorais, pois apesar de representarem 52,5% do total de 147,5 milhões de eleitores, apenas 9.204 mulheres concorreram a um cargo eletivo nas Eleições do ano de 2018 e destas, apenas 290 foram eleitas, que correspondem à 16,20% do universo de 1.790 escolhidos homens.

Segundo Lucas Carvalho e Paulo Siqueira (2020) “relatar sobre a Sociedade Brasileira é falar dos grandes desafios a serem banidos no século XXI.” É desestimulante pensar que o Brasil tem muito que avançar para promover a igualdade de oportunidades aos historicamente excluídos da e pela sociedade a qual vivemos, e isso inclui desde a falta de equidade em representações políticas até ao acesso aos cargos de liderança em empresas públicas e privadas com salários melhores. A possibilidade dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) serem os provedores e os porta-vozes da igualdade numa sociedade brasileira heterogênea só ocorrerá uma vez que tivermos uma pessoa governante que seja capaz de idealizar e executar políticas públicas que consigam atender às múltiplas e específicas necessidades que os excluídos demandam e demandarão.

Futurismo utópico

As discussões de futuro tendem a adotar discursos disruptivos, porém estão repletas de vieses e limitações criadas pelas próprias suposições vindas dos estudos de tendências, algoritmos e inclusive da herança colonialista na qual interfere onde e a partir de quem essas projeções são criadas. E a partir dessas análises, muitas projeções não trazem exatamente um futuro otimista para a humanidade e sua convivência com o planeta. Aparentemente, a forma de tornar o imaginável mais agradável é adotando a chamada utopia.

O primeiro registro da palavra utopia ocorreu no século 16 pelo filósofo Thomas More, em seu livro escrito em latim, “Utopia”. Na história que é contada, utopia seria um mundo onde não há crime, violência ou pobreza, sem luxos e excessos. Um perfeito equilíbrio social e em concordância com a natureza. Em grego antigo, a palavra utopia ainda carrega o significado de “não-lugar”, que só existe no campo imaginário .

Disputa de narrativas em ambientes digitais

Em decorrência desse descontentamento com o modo de funcionamento do Estado atual, reforçado pela crise de representatividade, alguns outros modelos de organização política vêm se destacando ao longo do tempo, como é o caso dos DAOs. As Organizações Autônomas Descentralizadas (DAO), referem-se a uma forma de organizar e administrar organizações, através do uso da smart contracts e tecnologia blockchain com o intuito de proporcionar mais transparência, imutabilidade, autonomia e segurança aos seus usuários.

Estamos tratando de um tipo de organização 100% controlada por algoritmos computacionais que determinam as regras de cooperação entre as partes envolvidas no DAO. A mesma não está vinculada a nenhum regulamento ou lei específica devido à natureza descentralizada em que o contrato inteligente é regido e que é coordenado pela organização.

Se tratando de uma linguagem puramente digital, há a abertura para um novo nível de cooperação em grupo, podendo gerenciar a tomada de decisões entre seres humanos, máquinas e outros contratos inteligentes. Por isso os DAOs representam uma revolucionária inovação tecnológica e de organização em ambientes digitais devido ao fato de permitirem a criação de organizações auto gerenciadas, mais eficientes, transparentes, além de autônomas

Panorama de futuro social e tecnológico

Mudanças cada vez mais rápidas na sociedade e na tecnologia causarão um sentimento de apreensão, o chamado choque com o futuro. Essa será a percepção de um mundo analógico e digital com cada vez menos fronteiras.

A meta-realidade irá gerar um excesso de estímulos e uma vida sempre conectada, sobrecarregando o emocional das pessoas e de seus sentidos naturais. O que chamam de “revolução sensorial”, nada mais é do que os cada vez mais raros toques físicos substituídos por conexões, redes sociais, economias, entretenimento, jogos e qualquer tipo de consumo através das mais diversas tecnologias.

Para isso, nem utopia, nem distopia. O otimismo realista tende a ser o antídoto para essa realidade de problemas complexos. As pessoas estarão em busca de experiências que suavizar a sensação de medo e insegurança .

Em um mundo ainda mais a frente, espera-se que mal saibamos definir o que é real e o que é irreal. Para a futurista Amy Webb, isso será causado pela transparência total das informações, acarretando em uma total democracia de dados ou na “revenda” deles, causando ainda mais desinformação.

As possibilidades na biologia sintética são inúmeras — agora, a carne de frango de laboratório se torna literal e não apenas o conhecido “plant based”. Mas outra vez, o uso desenfreado de dados genéticos podem pôr a ética à prova ou a segurança do ciclo natural das coisas.

E por fim, a nossa provável coexistência com robôs e criação das diferentes versões de cada pessoa no contexto do metaverso nos levam à inúmeras possibilidades de viver e conviver com pessoas ou coisas .

Escolha da representante

Após esse entendimento e ainda com o objetivo de delinear um imaginário brasileiro futuro que pareça positivo e possível, quem poderia representar esses princípios? Buscamos estabelecer um diálogo entre passado e presente através da representação digital de uma figura histórica da política, da ciência social e do ativismo negro no Brasil: Lélia Gonzalez.

Lélia Gonzalez em imagem sem data. Segundo relatos, era uma das fotos de que ela mais gostava .

Lélia foi uma escritora, professora e ativista dos direitos humanos e das questões raciais na sociedade brasileira. Autora de livros e artigos sobre o tema, Lélia é reconhecida como uma das maiores referências do movimento pelos direitos da população negra, sendo uma das principais articuladoras das redes de diálogo e de ativismo entre as pessoas que defendem essa causa. Evocamos Lélia para propor um diálogo com o presente e com o futuro: como construir o futuro que desejamos? Como imaginá-lo? Com o apoio da tecnologia digital, Lélia está aqui para nos ajudar.

A luta das mulheres no âmbito da política é secular: desde o movimento sufragista, quando as britânicas brigaram pelo direito ao voto, até a busca pela igualdade de gênero nas eleições atuais, como citado anteriormente. No Brasil, embora representem metade da população, as mulheres ocupam apenas 10% da Câmara dos Deputados e 15% do Senado.

Partindo desse contexto, como uma figura como Lélia agiria num contexto como o da política e da democracia das próximas décadas? A representatividade feminina na política é importante para que alguns temas sejam colocados em discussão, pois reflete principalmente nas escolhas das meninas e no que é entendido como um suposto espaço de função da mulher e do povo negro, por isso, surge ainda mais essa necessidade da existência de um imaginário que já vem sendo construído na tentativa de mudar tais estatísticas negativas.

Por que retomar a figura de Lélia?

Lélia é uma intelectual absolutamente reconhecida por sua produção acadêmica, já tendo rodado por diversas regiões do mundo através do interesse crescente em sua obra. Com seu prestígio de certa forma consolidado, Lélia decidiu iniciar uma nova incursão, dessa vez no mundo político. Após participar de partidos políticos tradicionais e não ter sido acolhida e apoiada nesses espaços, Lélia acredita em novos modelos de articulação e de mobilização popular para promover mudanças significativas na sociedade.

Algumas outras razões reforçam a escolha da retomada de sua imagem, tais quais:

Trajetória intelectual e política fartamente registrada

Durante sua vida, Lélia foi uma prolífica escritora, uma incansável ativista e uma pessoa de muita influência nos círculos por onde passou. Sua presença registrada está agora contida na sua presença digital

Mulher negra que atuou na política durante a década de 80

O período de maior atuação política de Lélia está inserido nos anos 80, época de redemocratização no país, durante o qual Lélia tentou se inserir na política tradicional, sem sucesso, em grande parte por ter sido sabotada por pessoas progressistas que consideravam a questão racial desimportante. Lélia é representada aqui, também, para trazer suas ideias para um contexto mais aberto e mais ávido por suas ideias do que nunca.

Pensadora que instituiu o feminismo Afrolatinoamericano

Durante passagem pelo Brasil em 2019, Angela Davis afirmou: “Por que vocês precisam buscar uma referência nos Estados Unidos? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”. Lélia foi uma pensadora centrada na experiência da mulher preta latinoamericana, ocupada em dar voz àquelas que nunca puderam falar sobre sua própria narrativa. Um objetivo atemporal.

Figura “redescoberta” pelas gerações atuais

Lélia é uma figura que desperta cada vez mais interesse na sociedade. Suas ideias do passado têm servido de farol para as gerações presentes pensarem no futuro da sociedade, um futuro sem opressões, com igualdade racial e social a nível global.

Universo e posicionamentos de Lélia

Nosso imaginário é construído a partir do repertório cultural e social que temos à disposição. Nosso repertório, portanto, é fruto de tudo aquilo que já registramos e/ou presenciamos. Por nunca termos visto uma presidenta preta, e infelizmente ainda termos dificuldade de presenciar mulheres pretas em posições de poder, recorremos à abstração para criar esse imaginário uma vez que nem mesmo as inteligências artificiais são incapazes de imaginar uma presidenta preta, pois se baseiam apenas no repertório existente.

É importante salientar, contudo, que somente eleger mulheres não garante que a equidade e igualdade de direitos seja estabelecida ou que os temas necessários sejam discutidos, já que existe grande chance de nem todas as eleitas defenderem as mesmas causas e bandeiras. Quando falamos em representatividade, é importante garantir que exista o espaço para que diversas vozes sejam consideradas e pautas discutidas.

No exercício de imaginar este futuro, levamos os posicionamentos de Lélia às projeções feitas a fim de propor um programa de governo da então candidata.

Para a democracia, que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sejam diretamente representados de acordo com as declarações de cor, raça e gênero da população brasileira, não excluindo o regionalismo, aproveitando-se da dissolução das fronteiras entre o físico e o digital, em uma tentativa de promover uma representação literal do que se constitui a sociedade. Dizia Lélia que “a fim de criar uma sociedade livre e igualitária, uma sociedade alternativa, onde negros, índios e brancos pobres viviam no maior respeito, proprietários da terra e senhores do produto do seu trabalho.”

Como dito, indivíduos sozinhos não garantem a equidade de direitos, por isso comissões especiais devem ser organizadas para assegurar que projetos de lei considerem as intersecções entre minorias de direito. Uma delas, a de mulheres negras, que segundo o IBGE, representam 27,8% da população. “Eles (homens negros) querem ser os direcionadores políticos, enquanto nós temos um potencial político e ideológico muito maior que o homem negro, pois levamos esses dois elementos (racial e sexual)” — segundo Lélia. O mesmo deve ser aplicado às outras pautas.

A educação se apoiará na democracia da informação. A transparência de dados deverá dar acesso a toda e qualquer pessoa, aproveitando o fácil acesso a dados e uso de ferramentas, como robôs, para eliminar qualquer barreira — seja econômica, social, regional ou física. Lélia urge sobre o tema, uma vez que uma criança negra tem de 6 a 7 vezes menos chances de chegar a uma universidade.

O que chamamos de biologia sintética afetará temas, como produção de alimentos, propriedade privada e saúde. A democracia racial que Lélia propõe também se aplica à exploração e controle de recursos naturais, divisão de terras, distribuição de elementos básicos para a sobrevivência. Aqui, retomamos a importância de povos originários e uma melhor relação com o meio ambiente.

E por fim, munidas de conhecimento e representadas em cargos de liderança, minorias também se organizam melhor para garantir o avanço da população como um todo e manutenção da igualdade. Agora, as diferentes dimensões do metaverso podem garantir acesso a diferentes produtos e serviços, além da arte, cargos nas áreas corporativas e, como já dito, no terceiro setor.

Formas de imaginar o futuro

Partindo da premissa de que o cenário utópico da presidenta preta do Brasil ainda parece objetivamente distante, passamos a explorar formas de elaborar esse exercício imaginativo. Como poderíamos imaginar a concretização desse acontecimento? Nossa primeira tentativa foi de recorrer à inteligência artificial.

Exercícios de criação de imagem com o DALL-E

Nossa primeira tentativa foi a de elaborar cenários futuros pela criação de imagens através do DALL-E, uma ferramenta de inteligência artificial capaz de estabelecer imagens através de sentenças curtas. Isto é, ao informar essa sentença ao algoritmo do DALL-E, se obtém uma imagem que contemple de alguma forma os elementos dessa frase.

O acesso ao serviço ainda é restrito, de modo que utilizamos uma versão de código aberto, chamada Craiyon, que oferece uma versão do criador de imagens que é estritamente baseada em imagens da internet.

Através da interface, começamos a elaborar sentenças que pudessem levar à obtenção de imagens como as que estávamos buscando alcançar.

Primeiras tentativas: resultados para imagens através dos termos “Lélia Gonzalez como presidenta do Brasil” e “Mulher negra como presidenta do Brasil”

Nossas primeiras buscas chegaram a resultados promissores. A primeira busca, que incorporava o nome de Lélia, não atingiu resultados tão bons, mas a busca por “Mulher negra como presidenta do Brasil” nos forneceu imagens que tinham consonância com a intenção de elaborar uma representação imagética de uma presidenta preta. Logo depois, passamos a fazer tentativas de elaboração de imagens que explorariam a subjetividade do algoritmo: qual seria o conceito de futuro da própria ferramenta?

Resultados para imagens através dos termos “Futuro presidente do Brasil” e “Presidente do Brasil em 2040”

Conforme fomos obtendo resultados, vimos que a plataforma estava recorrendo às imagens mais óbvias para responder à pergunta de como seria o futuro presidente do Brasil, isto é, estava criando projeções de futuro através do repertório passado ao qual ela tem acesso. Dessa forma, logo chegamos a uma importante conclusão: mesmo as inteligências artificiais de geração de imagem, que têm por objetivo criar imagens inimagináveis, não conseguem elaborar um cenário que não tenha nenhum referencial passado. Dessa forma, compreendemos que o projeto deveria estar dotado de subjetividade intencional, isto é, de decisões e criações que não fossem permeadas por decisões automatizadas e mediadas por algoritmos.

Diretrizes de projeto

Através dessa exploração de cenários, referências e possibilidades, chegamos às definições de como o projeto deveria ser guiado. Nosso primeiro passo foi definir a visão do projeto, e resumi-lo em uma frase sucinta:

A gêmea (ibeji) digital de Lélia Gonzalez como uma guia (griô) para imaginar o futuro com uma presidenta negra no Brasil.

Tal definição contém as intenções básicas da solução proposta: o objetivo de fazer uso do repertório subjetivo e intelectual de Lélia Gonzalez como ferramenta de instrumentalização do imaginário, permitindo às pessoas que imaginem um futuro ainda não imaginado. A definição também apresenta a intenção de realizar isso através de preceitos afrocentrados, que se manifestam de forma fundamental na alusão à figura do griô em culturas de origem africana: transmissores de conhecimento que fazem uso exclusivo da conversa como ferramenta de comunicação.

Também utilizamos como pressuposto básico a noção de que, em ambientes digitais futuros, a interação com entes puramente digitais ocorrerá em termos completamente distintos do que ocorre atualmente.

Um futuro com gêmeos digitais capazes de se comunicar de forma automática em ambientes digitais

Essa definição nos auxiliou a guiar a solução em termos de projeção futura que nos permitem inferir uma maior naturalidade em diálogos ocorridos em plataformas digitais, sobretudo no que diz respeito à redefinição da ideia de presença digital que o metaverso nos oferece.

A solução

A proposta é dar uma segunda chance a Lélia e imaginá-la tomando posse do cargo de presidência do Brasil, bem como todo um cenário favorável para a diversidade, equidade e inclusão de minorias de direitos.

Com isso, apresentamos um site para registrar em um ambiente virtual as informações da Lélia do passado e a Lélia do futuro, seguindo a premissa de eliminar as fronteiras físicas que inclusive sua obra sofreu no passado. O site também é ferramenta política para posicionar nossa protagonista em seus posicionamentos políticos, levando suas falas registradas décadas atrás para um futuro mais a frente.

Para uma interação real e materialização deste imaginário, desenvolvemos um avatar de Lélia e cenários de um metaverso, que se adaptam ao novo contexto, porém mantêm detalhes da recente história do Brasil como um tom de ironia e crítica ao que sempre foi dito em relação ao país. “Tudo deve mudar para que tudo fique como está” a frase de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que critica a persistência de parâmetros sociais mesmo em tempos de revolução.

Também foi programado um chatbot a partir de toda a pesquisa realizada sobre Lélia, o contexto que se daria uma campanha política e questões futuras, criando uma lógica entre os temas.

Os registros digitais agora permitem que tanto mentes humanas, como algoritmos e inteligências artificiais possam encontrar a futura presidenta negra do Brasil.

Conclusão

As tecnologias hoje disponíveis nos permitem ter cada vez mais projeções específicas de como serão os próximos anos e décadas, porém ao mesmo tempo, nos deparamos com dias atuais que parecem estar parados no tempo e nos dando uma sensação de total retrocesso. Muito se deve à concentração de poder, conhecimento e tecnologia nas mãos dos mesmos, que tendem a ter pensamentos que voltam os benefícios e lucros para si mesmos. Ao mesmo tempo, muitos dos que lutam por mudanças têm entrado em estado de fadiga e conformismo diante de problemas da sociedade global cada vez mais complexos.Só será possível anular as visões pessimistas e trazer alívio, inspiração e mudanças reais no futuro se formos capazes de reimaginar as coisas, os lugares e as pessoas que ocupam.
O projeto A Voz de Lélia permite instigar o imaginário humano, como também toda uma rede de tecnologia enviesada que não é capaz de assimilar uma nova realidade.

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Guilherme Ribeiro
Guilherme Ribeiro

Written by Guilherme Ribeiro

Indo mais fundo, tins e bens e tais. Product Designer na Poatek, escrevinhador quando convém e curioso por natureza.